quarta-feira, 16 de abril de 2014

NESTE LUGAR SOLITÁRIO & OUTROS VERSOS, de Eno Teodoro Wanke # Antonio Cabral Filho - Rj

NESTE LUGAR SOLITÁRIO
ENO TEODORO WANKE
EDITORA CODEPOE
Rio de Janeiro 1988
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A TROVA
ENO TEODORO WANKE
EDITORA PONGETTI
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NÓS 
OS TROVADORES
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ADELMAR TAVARES
um trovador ao luar
Eno Teodoro Wanke
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PALAVRAS DE ENO TEODORO WANKE

" NESTE LUGAR SOLITÁRIO
( Folclore - um levantamento da trova escabrosa nos grafitos latrinários e na literatura secreta)
Seguido de um estudo sobre o palavrão e um vocabulário elucidativo das palavras escabrosas do livro.
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Bom meus amigos, esse livro é um ensaio. Além dos textos do próprio Autor, tem também um texto do ilustre Walter Siqueira, personalidade muito respeitada no ambiente intelectual fluminense e, por que não, nacional. Estes dois nomes formaram verdadeira "dobradinha" em campo para arrancar a trova do cofre dos preconceitos sociais e mostrar que ela é oriunda do povo. Aqui não terei condições de expor o livro, mas espero que cada um faça o esforço que eu faço de buscar as fontes e vá atrás dos livros desses autores. Deixarei a vocês dois textos a título de introdutórios. O primeiro, do Eno e o segundo do Walter e acredito que ambos darão conta de colocar as coisas como eles pretendem.
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" INTRÓITO

Em 1812 os irmãos Grimm realizaram o primeiro levantamento folclórico científico na Alemanha: seus " Contos Populares". Em 1828 saiu a primeira coleta  de versos do povo em português - o " Romanceiro " de Almeida Garret, onde já apareciam algumas trovas.  Em 1867 Teófilo Braga fazia editar o primeiro livro inteiramente dedicado à trova folclórica. E em 1883 saía a primeira coleta de trovas brasileiras, realizada por Silvio Romero. Daí por diante, muitos folcloristas trabalharam na área e muitas coletâneas saíram, cobrindo todos os territórios e todos os assuntos. Todos, menos um: o do folclore secreto da trova.

E é incrível que o folclore proibido da trova tenha ficado sem bibliografia,praticamente, até agora. E isso comprova como é intenso e vivo o preconceito contra o palavrão. Nem os grandes folcloristas e divulgadores do folclore escapam dele!

Seja exemplo o monumental "Trovas Populares Portuguesas".

J. Leite de Vasconcellos, o maior folclorista que Portugal já teve, pretendeu esgotar o assunto da trova folclórica em seu país. Passou a vida inteira colhendo trovas em todos cantos e recantos da sua terra - e ambicionava fazer um livro tão completo que acabou morrendo sem realizar seu desejo. A tarefa foi completada por Maria Arminda Zaluar Nunes, e o livro "mandado publicar por ordem da Universidade de Coimbra", saiu em dois grossos volumes em 1975 e 1979.

Declara a organizadora da obra em sua "Introdução": " Lembremo-nos que ainda atualmente, em aldeias sertanejas, fazem, por ocasião do Entrudo, surriadas onde se encontram ditos e cantos soezes e insultantes, entoados em grande berreiro."

E apesar disso, seguindo, aliás, as instruções de Leite de Vasconcellos, não publicou as trovas escabrosas levantadas. E justificou-se ela: "A graça sadia, marota, descamba frequentemente em chalaça, chufa rascante, e chega mesmo à grossaria terrivelmente indecorosa e pornográfica. // Nas trovas deste último tipo encontra-se geralmente uma nota manuscrita de seu corretor, sempre a pensar na selecionação para o Cancioneiro: "Não é publicável", ou "Licenciosa. Não vai."

Resultado: se a trova indecorosa e pornográfica é tão frequente como se declara, o livro está irremediavelmente incompleto como repositório da musa popular portuguesa.

Adiante, no capítulo "Trovas populares portuguesas e espanholas" transcrevo algumas que sobraram, das mais fortes. Sem palavrão.

O mesmo, "mutatis mutandis", acontece com outros pesquisadores, tanto aqui como em outras línguas. Melchor de Palau, folclorista espanhol ( cujas trovas aproveitei naquele mesmo capítulo) declara igualmente haver suprimido " não poucas trovas das recolhidas pelo caminho" por serem "impróprias" ( Cantares populares e literários, 1900).

Comecei minha coleta de trovas escabrosas pelas de privada, em 1950, na antiga Escola de Engenharia do Paraná, ainda funcionando no prédio da Praça Rui Barbosa em Curitiba - como se verá no capítulo "Trovas de Estudantes".

Durante trinta anos foi se formando, lentamente, o acervo da minha coleção. Em 1980, animado especialmente por Arnal do B. Christianini, então residente em Campinas, resolvi publicar um livrote modesto, mimeografado, de 24 páginas ao qual dei o nome de "Neste Lugar Solitário".

O sucesso foi enorme. Muitos colaboradores expontâneos surgiram. Diversas coleções foram postas à minha disposição, por exemplo a de Francisco de Vasconcellos do Rio de Janeiro e a de Paulo Fraleti, de São Paulo. O projeto começava a se expandir. Surgiram trovas de outras áreas do chamado folclore secreto. E, também, alguns trovadores resolveram  aderir ao gênero compondo trovas escabrosas. Em janeiro de 1981 saiu novo livrote, ao qual dei o nome de "A trova escabrosa". Como consequência, mais material foi surgindo, o qual fui arrumando numa pasta. Escrevi também, motivado pelo assunto, o ensaio " A propósito do palavrão", que julguei oportuno anexar ao presente  levantamento, como apêndice.

A bibliografia sobre o assunto era nula - ou, pelo menos, eu assim pensava. Em 1982 recebi de Portugal ( até onde já tinha repercutido o meu modesto trabalho) um pacote contendo o livro " O Guardador de Retretes" de 1978 com uma dedicatória do autor, Pedro Barbosa, " uma saudação transatlântica" datada de 29/12/1981.  O livro era resultado de levantamentos feitos  pelo autor em suas viagens  pela Europa, e vinha anunciando uma nova ordem de coisas.

Seu subtítulo: "As locubrações filosóficas e as inadventuras de Asobrab Ordep, autodidata, viralatas intelectual e guardador-de-retretes, como subsídio para fundação de uma nova e capricórnica ciência - a retretologia. "

Como se vê, é uma tese filosófica que o autor, em tom de brincadeira, descabeladamente, procura montar e expor utilizando frases, quadras e trovas encontradas nas privadas, não só de Portugal, mas da Espanha, Inglaterra e França. Aproveitei praticamente todo o material deste livro, como se verá.

Não acho que se possa deduzir alguma filosofia especial dirigindo miraculosamente a mão dos escritores  ou poetas de latrina - ou que se possa extrair algo desses escritos. O que me fascina mesmo é o milagre da trova em si, a sua durabilidade e persistência, a sua universalidade - e tudo apesar de seu grande inimigo, os responsáveis pela limpeza das privadas e suas respectivas paredes. A trova latrinária persiste e resiste na memória dos frequentadores. Surgem em Belém, em Porto Alegre, em Manaus, em Natal, às vezes fiel, outras desfigurada, mas sempre reconhecível.

Outro livro publicado com levantamentos em privadas foi o de Luiz Beltrão, publicado em 1980, simultaneamente com o meu, "Folk-comunicação - a comunicação dos marginalizados", o qual dedica ao assunto um pequeno subcapítulo de seis páginas chamado "Grafitos de sanitários". Beltrão, professor do Centro de Estudos Universitários de Brasília ( CEUB ) mandava seus alunos pesquisarem nas privadas da capital federal. As trovas ou versões resultantes foram também incorporadas a este livro."

Bom, a partir deste parágrafo, Eno segue falando sobre os resultados da publicação do NESTE LUGAR SOLITÁRIO, mas o que temos acima é uma demonstração consistente dos preconceitos quanto ao assunto como quanto ao modo de abordá-lo. E que não deixa dúvidas quanto à necessidade de ser passado em armas. Por isso, fica aqui a mais nobre das trovas de banheiro, encontrada em quase todo o mundo latino, inclusive nos banheiros dos arredores de Angola:
" Neste lugar solitário,
onde toda vaidade se acaba,
todo covarde faz força,
todo valente se caga."
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A seguir, passo a transcrever o artigo de Walter Siqueira, com quem Eno fazia paceirada para botar no bobinho certos "zé-cacetes" da trova, no Brasil e no Rio, especialmente.

"TROVAS SEM CENSURA

Agora, mais ousado do que nunca, Eno Teodoro Wanke resolveu fazer um desafio ao seu tempo, aos homens do seu tempo, à sociedade do seu tempo e às regras de seleção moral  do seu tempo.

Enfim, pôs por terra, com a coragem de um troglodita peludo, todos os tabus que impediam  os homens de dizer, no seu convívio diário, as palavras que leram ( alguns ) nos dicionários, ou as que ( sendo da gíria ou do glossário pornográfico ), só poderiam  ser proferidas às escondidas.

Publicou um estudo sobre a trova folclórica recolhida  no filão pornográfico e análogo, a que deu o título ( um pouco discreto para o realismo do conteúdo ) de "Neste Lugar Solitário".

É uma atitude sádica editar um livro assim, sabendo-se de antemão que muita donzela pudica desmaiará ao folheá-lo e que muito senhor austero, ignorante de que tais coisas existiam no mundo, ficará mais rosado do que uma linda romã madura, uma vez que muita gente, neste mundo, de tão inocente que é, ainda não foi a um mictório público ou a um w.c. de hotel de quinta categoria...

Prova Eno Teodoro Wanke, para não ser posto em excomunham pelos teólogos da trova, que não foi ele quem inventou a pesquisa sobre a quadra pornográfica, talvez oriunda do tempo em viveu Adão, sempre a querer e amar os quadris da Eva...

Antes dele, outros se deixaram atrair pelo inusitado da coisa. Mário de Andrade, por exemplo! Veja-se: um corifeu do modernismo em tais comprometimentos!
- Poderá existir interesse historico-literário em torno de tais trovas que nenhum trovador digno de sua reputação assinaria?

Por mera curiosidade, explicar-se-ia talvez que viesse à luz da publicidade a excrecência do pensamento humano.  Mas se o homem, desde os primórdios de suas atividades mentais, sempre se deu a esse mister de criar e recriar sobre o ridículo, o risível, o pornográfico, o imoral e até o amoral, o registro de todas as coisas ocorridas nada mais é do que uma consequência natural, tal como a anedota, a piada, é o resultado de um excelente estado de bom humor...

As reações diante desse folheto de trovas de privada serão bem diversas, contraditórias e até violentas. É possível que, para algumas pessoas mais exigentes, o conceito literário de Eno Teodoro Wanke sofra um arranhão por ter ele tomado essa iniciativa, que não tem o aval da UBT...

A trova teve os seus dias de patrimônio da UBT...

No entanto, um livro de tal natureza não vem a lume apenas para as louvaminhas da Ordem Terceira dos Trovadores. É um somatório de curiosidades, de excentricidades, e mesmo de mau gosto rimado.

Eno Teodoro Wanke chamou a si    uma tarefa que será mais tarde retomada por outrem. Então, quis ser o pioneiro, embora correndo o risco de ser o pioneiro nos desaforos que ouvirá de algumas correntes literárias que têm a trova como símbolo, altar e culto.

Deixe-se, porém, de eufemismos, de chiliques, de achaques diante de realidade de que o mundo está cheio. O livro de E. T. W. corre a praça literária e não será mais contido. Mesmo pela censura, que abriu as portas a liberalidades pornográficas com apelos ao sexo... E as trovas de privada recolhidas agora por E. T. W.  são até " ingênuas " diante de tudo que temos  visto nessa época de permissividade sem freio.

( Walter Siqueira é crítico literário, professor, e o Príncipe do Poetas de Campos. Transcrito do jornal A CIDADE, de Campos - RJ, 14 de maio de 1980 )."
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SAIBA MAIS...
http://trovasecia.blogspot.com.br/2013/01/a-trova-de-eno-teodoro-wanke-e-algumas.html
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ANTOLOGIA POÉTICA LIVRE
Eno Teodoro Wanke
ORG Antonio Cabral Filho
Edição Letras Taquarenses 2014
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OBSERVAÇÃO
Meu objetivo com esta seção do material sobre o ENO TEODORO WANKE é reunir aqui tudo que eu encontrei até agora e que encontrar daqui por diante. Portanto, minha ANTOLOGIA POÉTICA LIVRE não tem fim....
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SONETO À TROVA

A trova tem mil anos de existência
e vem da velha ibéria, onde seu povo
a cultivou e amou, chorando a ausência
ou celebrando as festas de renovo.

A trova traz no seu formato a essência
dos tempos, desde a antiguidade ao novo.
A trova é esse milagre, essa potência
que nestes decassílabos eu louvo!

Quatro versos, mais nada, e, no entretanto
traduz no corpo claro e pequenino
o amor, o pensamento, o riso, o pranto...

Por isso, é sempre jovem e moderna,
poetas dão-lhe amor, e seu destino
é ser a joia literária eterna!

Do livro Antologia de Sonetos Sobre a Trova, Edições Plaquete, 1998, RJ.
***
SONETO TEMPOS IDOS

Eu venho da lição dos tempos idos
e vejo a guerra no horizonte armada.
Será que os homens bons não fazem nada?
Será que não me prestarão ouvidos?

Eu vejo a humanidade manejada
em prol dos interesses corrompidos.
É mister acabar com esta espada
suspensa sobre os lares oprimidos

É preciso ganhar maturidade
no fomento da paz e da verdade,
na supressão do mal e da loucura...

Que a estrutura econômica da guerra
se faça em pó! e que reinem sobre a terra
os frutos do trabalho e da fartura!
***

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